Bárbara Martau/Opovonews – Fotos: Divulgação
O Instituto a Voz dos Bichos acusa a prefeitura de Porto Seguro de abater de forma cruel um cavalo encontrado ferido na orla norte da cidade. A veterinária Larissa Cury, voluntária da entidade protetora de animais, diz que estava prestando atendimento ao cavalo, já havia providenciado transporte para que o animal fosse levado de volta para a casa do dono, onde ficaria se recuperando da lesão, quando, momentos antes da remoção, o médico veterinário da Vigilância em Saúde Ambiental da prefeitura chegou ao local.
Segundo ela, apesar de o veterinário Eduardo Oliveira Reis ter sido avisado por uma testemunha que o animal já estava sendo tratado, ele disse que iria remover o animal para tratamento em outro local. O veterinário da prefeitura então sedou o equino, que foi jogado ainda vivo por uma retroescavadeira dentro de uma caçamba com logotipo da prefeitura e levado para o posto da Polícia Rodoviária Federal na BR 367, onde foi abatido.
Larissa Cury, que é especializada em animais de grande porte, conta que no dia 25 de junho foi avisada por um cliente de que havia um equino ferido amarrado às margens da BR 367, na orla norte de Porto Seguro. “Quando cheguei ao local o cavalo já estava em pé. Em princípio achei que fosse uma fratura. Examinei a pata dianteira e não havia osso quebrado, mas uma torção de articulação”, explica.
Segundo ela, o animal estava com quadro de dor intensa. “Eu o mediquei para dor e fiz soro polivitamínico de recuperação. Também tirei sangue para exame de anemia infecciosa equina, procedimento que é obrigatório por lei e que serve como controle sanitário.” Em seguida ela começou a providenciar a remoção do animal, que ficou marcada para as 14h do dia seguinte. Nesse meio tempo o dono do cavalo foi localizado e ficou decidido que o equino seria levado para a casa dele.
Larissa ressalta que o cavalo estava amarrado e no local havia um pote com água, indicando que ele estava sendo tratado. “O animal não oferecia risco à população, estava amarrado, não tinha como ir para a pista. O dono já tinha tentado resgatá-lo sem sucesso, porque o animal não conseguia caminhar. Ele estava de pé e medicado quando foi colocado vivo dentro de uma caçamba”, destaca.
Esclarecimento
A reportagem de Opovonews entrou em contato com o veterinário, que preferiu se manifestar através de nota da prefeitura. Em nota de esclarecimento, a Superintendência de Vigilância em Saúde, vinculada à Secretaria Municipal de Saúde, explicou que “o animal apresentava uma lesão na altura da articulação úmero-rádio-ulnar direita, tratando-se de uma lesão de grande complexidade, cuja alternativa considerável para tratamento era a cirurgia ortopédica, a qual requer um centro cirúrgico com equipe especializada”. Segundo a nota, a reabilitação seria difícil, por isso a opção pela eutanásia. Ainda conforme a nota, “o médico veterinário realizou todas as medidas que estava a seu alcance para manter a vida do animal, porém, a conduta foi coerente com o quadro clínico que o animal apresentava”.
A veterinária Larissa Cury, no entanto, contesta a versão da prefeitura, garantindo que examinou o animal minuciosamente e que a articulação ferida era a rádio metacarpo 2 e metacarpo 3, estando o osso úmero bem distante da lesão. Ela também alega que, no caso em questão, a eutanásia não era um recurso necessário. “Eu examinei o cavalo. Seria necessário imobilizar a pata para incentivar a calcificação da articulação. O animal ficaria manco, mas poderia viver normalmente”, explica. “Eu tenho testemunhas provando que o veterinário não colocou a mão no cavalo para fazer o diagnóstico que fez. Não se examina um animal apenas olhando. Não tem nenhum exame que comprove que havia uma fratura”, acrescenta. “O que eles fizeram foi tirar a oportunidade do animal de ser tratado.”
Crueldade
Para Larissa, independente da discussão se o animal estava abandonado ou não, a forma cruel como um ser vivo foi tratado não se justifica. “Foi um assassinato, um abate cruel, e não uma eutanásia”, acusa. Larissa lembra que a palavra eutanásia vem do grego e significa boa morte. “Eutanásia é o último recurso do médico veterinário, e nesse caso não se esgotou nenhum. Jogar um animal vivo dentro de uma caçamba é muito cruel. A maneira como transportaram um ser vivo foi absurda.”
Segundo ela, o cavalo foi apenas sedado, e não anestesiado. “Sedação não é anestesia geral, é apenas calmante. Pegaram o cavalo com uma retroescavadeira e jogaram em uma caçamba. Sacrificar um equino com tiro na testa é normal, mas tem que ser precedida de uma anestesia geral, o que não foi feito.
Violação da ética profissional
Larissa diz que o veterinário Eduardo de Oliveira Reis violou a ética profissional ao matar um cavalo que era paciente dela, e ainda mais sem o consentimento do dono. Por isso, ela irá formalizar a denúncia que já fez contra Eduardo de Oliveira Reis ao Conselho de Medicina Veterinária da Bahia.
“Ele alega que não sabia que o cavalo tinha dono e nem que já estava sendo tratado. Mas uma testemunha que tinha me visto lá no local avisou o veterinário de que já tinha uma pessoa cuidando do animal”, afirma Larissa, acrescentando que o próprio exame de anemia infecciosa comprova que o animal estava sendo tratado por ela.
Além disso, a Voz dos Bichos vai processar criminalmente o veterinário Eduardo Reis por maus-tratos, adianta a advogada do Instituto A Voz dos Bichos, Carmen Cury, que também é presidente da Comissão de Proteção dos Direitos dos Animais da OAB Porto Seguro. “Temos todas as provas – autoria e materialidade – de que houve maus-tratos. Uma pessoa que pegou esse animal vivo e jogou em uma caçamba da prefeitura cometeu um ato revoltante, aviltante, desrespeitoso. Eu sinto vergonha de ser gente quando vejo uma pessoa fazer isso”, lamenta a advogada.
Carmen Cury pretende também processar civilmente a prefeitura, que responde pelos atos de seus prepostos. Além disso, o dono do cavalo tem o direito de ser indenizado. “Esse animal que foi assassinado era um instrumento de trabalho de um ser humano”, pondera.
NOTA DE ESCLARECIMENTO DA PREFEITURA
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Seguro vem esclarecer acerca da eutanásia realizada em 27 de junho de 2014, em um animal abandonado em via pública na localidade da Orla Norte em Porto Seguro.
Atendendo a denúncia recebida através da Vigilância em Saúde Ambiental na quinta-feira, 26 de junho de 2014, no final da tarde, informando que “havia um cavalo abandonado na Orla Norte em Porto Seguro com uma pata quebrada, provavelmente devido a algum acidente”, o Médico Veterinário da Vigilância em Saúde Ambiental foi ao local para averiguar a situação do animal.
O animal apresentava uma lesão na altura da articulação úmero-rádio-ulnar direita, tratando-se de uma lesão de grande complexidade, onde a alternativa considerável para tratamento era a cirurgia ortopédica, a qual requer um centro cirúrgico com equipe especializada.
Além disso, mesmo após a realização dos procedimentos necessários, a reabilitação de um equino com um membro dianteiro lesado é um processo que requer muito mais cuidado do que qualquer outra lesão, primeiramente devido à impossibilidade de evitar apoiar o membro no solo e ao peso desses animais, bem como pelo seu hábito de escavar, que consiste no constante movimento de bater e raspar o solo com as patas, especialmente as dianteiras, hábito este que poderá voltar a lesionar o membro em processo de recuperação, fazendo com que qualquer evolução seja perdida e outra cirurgia necessite ser realizada. Manter o animal deitado também não seria uma solução viável para o processo de cicatrização, pois cavalos sofrem alterações intestinais com extrema facilidade, podendo chegar à morte por torções intestinais.
Vale ressaltar que a gestão atual não tem medido esforços para a implantação do Centro de Controle de Zoonoses, informamos que todas as medidas e providências estão sendo adotadas para sua implantação, inclusive com imóvel já disponível, sendo um serviço de grande importância para o município.
Esclarecemos ainda que o médico veterinário realizou todas as medidas que estava a seu alcance para manter a vida do animal, porém, a conduta foi coerente com o quadro clinico que o animal apresentava.
Márcia Alves Quaresma
Superintendente de Vig. em Saúde
Porto Seguro
Edna de Souza Alves Santos
Secretária de Saúde
Porto Seguro
RESPOSTA DA VETERINÁRIA LARISSA CURY À NOTA DA PREFEITURA
Pelo que foi dito na nota da prefeitura foram esgotadas exaustivamente todas as formas de tratamento do animal e essas tentativas exaustivas de tratar ou mesmo diagnosticar o animal de forma precisa levou o longo período de um fim de tarde e uma manhã.
O Dr Eduardo Oliveira Reis examinou tão bem o animal que orientou a prefeitura que o cavalo estava com uma fratura na articulação Úmero –Rádio –Ulna (articulação do cotovelo). Primeiro que articulação não quebra, o que ocorre é um entorse com rompimento parcial ou completo de ligamentos, o que quebra é osso, isso ele não pode afirmar sem RX, se fosse um osso longo poderia sim afirmar uma fratura, mas na articulação jamais se fecha um diagnóstico sem RX. Outra coisa é que eu acredito que o doutor Eduardo tenha fugido da aula de anatomia, pois a articulação ferida era a rádio metacarpo 2 e metacarpo 3.
Eu como veterinária do Instituto Voz dos Bichos examinei o animal minunciosamente e claramente o osso úmero estava bem distante da lesão. Fiz o teste mais conhecido como teste de gaveta, onde eu desloquei os ossos que compõem aquela articulação, e realmente não senti muita resistência dos ligamentos, o que me leva a acreditar em um rompimento de ligamentos, pois ao exame de palpação não foi observado crepitação nem partículas soltas de ossos na musculatura nem na articulação, mas ainda sim seria feito o exame de RX e ultrassonografia, como foi feito mais de uma vez no cavalo Francisco.
Em caso de rompimento parcial de ligamentos o tratamento seria conservativo, em caso de rompimento total de ligamentos, o Instituto Voz dos Bichos poderia fazer campanhas para levantar dinheiro e mandar o animal para Salvador, onde ele poderia ser operado ou simplesmente poderia se imobilizar aquele membro com PVC e uma muleta por fora o que impediria que o animal apoiasse o membro ferido no chão, entraria com os medicamentos adequados e era só esperar que o próprio corpo do animal calcificasse aquela articulação, pois a deposição de tecido ósseo é uma resposta natural A uma entorse de ligamento interósseo , o animal ficaria manco mas ficaria bem.
Como médica veterinária e como protetora, o que me deixa mais impotente e triste é que se a prefeitura não tivesse abatido o animal naquela manhã de quinta-feira, naquele mesmo dia às 14h eu estava com tudo pronto para dar o transporte para casa do dono e continuar com o tratamento já iniciado no dia anterior. Eu acredito que com a evolução da medicina veterinária, e com o empenho do Instituto a Voz dos Bichos, não iria se medir esforços para salvar esse pobre animal, ou mesmo se necessário sacrificá-lo de forma digna, sem precisar de caçamba e retroescavadeira.
Larissa Sandoval Cury
Médica Veterinária CRMV/BA-4035