Numa cerimônia para 300 convidados, com direito a valsa, lágrimas e sertanejo, o prefeito reeleito de Lins, a 430 quilômetros de São Paulo, casou-se após 13 anos de união homoafetiva. Edgar de Souza (PSDB), de 38 anos, foi um dos primeiros políticos do país a assumir a condição sexual. E provavelmente o debutante na lista de casados. De malas prontas para passar a lua-de-mel com o empresário Alexsandro Luciano Trindade, 35, em Nova York, nos EUA, o tucano, que é católico, diz ser “fundamental que pessoas públicas se assumam para ajudar a acabar com preconceitos”. Antes da cerimônia, realizada numa casa de festas, ele recebeu apoio do governador Geraldo Alckmin , seu colega de partido: “me parabenizou pela coragem”.
Souza está na política desde 2000, quando se candidatou ao cargo de vereador pelo PT (foram três mandatos), mas diz que “cansou de se esconder” em 2004, ano em que decidiu morar com o companheiro. Fala que sempre recebeu apoio nos partidos pelos quais passou, e sofreu ataques pesados apenas em 2012, quando tentou a prefeitura pela primeira vez. Foram distribuídos alguns panfletos onde se via a imagem do casal estampada, e a legenda: “se você votar no 45, essa família vai governar a sua família”. A autoria nunca foi descoberta, mas o político conta que após o episódio cresceu nas pesquisas. Ele venceu com 20,7 mil votos (53,23%). Lins tem cerca de 75 mil habitantes.
— Tem pessoas que não sabem lidar com isso. Em todos os partidos têm alas mais conservadoras — atenta ele, que foi reeleito com 17,5 mil votos (47,9%).
O tucano Geraldo Alckmin não pôde ir à cerimônia por questões de agenda, mas encontrou o prefeito na véspera:
— Ele desejou felicidade, sucesso e me parabenizou pela coragem. Ele e todo o partido sempre foram muito acolhedores – aponta o prefeito.
Nas redes sociais, o grupo Diversidade Tucana, que luta a favor de políticas de inclusão, celebrou a união. “Que o amor vença sempre!”, escreveu.
Apesar do apoio em casa e no trabalho, e muito bem resolvido com sua identidade sexual, Souza revela, porém, “que já tentou se curar”:
— Queria ser normal, mas você não escolhe passar por isso. Quando me assumi, meus líderes religiosos foram muito acolhedores e a família também. A terapia também ajudou muito nesta etapa.
Um dos poucos políticos assumidamente gay, o prefeito revela anseio de ver mais pessoas de seu meio tomando a mesma decisão de 13 anos atrás:
— Acho fundamental que as pessoas públicas se assumam para ajudar aqueles que sofrem por falta de apoio. Muito LGBT tem depressão, e quando uma pessoa pública faz isso ela ajuda esse público nesse processo. Mas tudo tem seu tempo – pondera.
Terceiro de quatro irmãos de uma família humilde do bairro do Ribeiro, Souza começou a trabalhar como office boy na prefeitura da cidade aos 14 anos. Naquela época, atuava em grupos religiosos, era representante de turmas na escola e líder de grêmio estudantil. Nas horas vagas, namorava algumas meninas. Aos 19 anos, conta, teve sua “primeira paixão avassaladora” por um homem.
— Digo que foi meu segundo parto. Foi quando me amei, me libertei. E nem fui correspondido! – lembra, rindo.
O encontro com Alex, seu marido, acontecera um anos antes, na prefeitura mesmo, mas “o santo não bateu”. Souza disse que houve um estranhamento inicial e pouco se falaram. O reencontro aconteceu em 2004, quando o prefeito já tinha 25 anos e a condição sexual revelada a amigos e família. Meses depois a dupla já estava morando junto e a relação não era mais segredo para os cerca de 75 mil habitantes de Lins.
O pedido de casamento aconteceu no meio de uma boate, após as eleições do ano passado.
— Como toda relação a gente vive de altos e baixos. Havia picos de paixão intensa e às vezes pensávamos que tudo ia acabar. Depois das eleições do ano passado, tivemos uma espécie de reencontro e, no meio da balada, perguntei: “Quer casar comigo?” – conta Souza, que ouviu “sim” de imediato.
O casal levou 50 dias para os preparativos. Data escolhida, chamaram uma amiga para ajudar com os quitutes, local, banda, trilha sonora e tudo que um casamento tem direito. O “dia do noivo” para Souza foi um jeito na barba e corte no cabelo. O companheiro fez as unhas. Como já moravam juntos, não houve chá de panela.
Souza cantou “Velha Infância”, dos Tribalistas, para o amado, que retribuiu com uma dança. A primeira valsa foi ao som de “De Janeiro a Janeiro”, na voz de Nando Reis (“O universo conspira a nosso favor/A consequência do destino é o amor/Pra sempre vou te amar”).
— Ele dançou para mim uma música em inglês que não lembro – gargalha o prefeito, para continuar:
— Chorou o tempo todo. Mais que eu. Consegui me segurar!
Entre os 300 convidados, “todos amigos mais próximos”, também houve diversidade religiosa: tinha pastor, padre, pai de santo entre outros. O tucano queria realizar a cerimônia na igreja, mas nem todos os templos aceitam casamento homoafetivo.
— Entendo as regras, mas sonho que isso mude. Algumas igrejas já realizam. O público LGBT sempre vai existir, então a discussão é se vamos acolher ou ficar segregando – pontua.
Adoção
A adoção de crianças de vez em quando entra na pauta da dupla. Até o ano passado, os dois cuidavam de dois meninos, hoje com 7 e 5 anos. Eles são sobrinhos de Alex. Um de seus três irmãos envolveu-se com drogas e, após a prisão dele, o casal passou a cuidar das crianças. Elas hoje moram com a mãe, mas passam muito tempo com os tios.
— A gente sempre ensaia uma conversa. Família muda muita coisa. A gente vai pensando.
OGlobo