Ministro Mauro Vieira e o presidente brasileiro conversam com jornalistas ainda na Malásia, no dia seguinte à reunião com o mandatário americano
Após a reunião de domingo entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, negociadores de Brasil e Estados Unidos fizeram, na manhã desta segunda (noite de domingo no Brasil), em Kuala Lumpur, a primeira reunião para encaminhar as negociações comerciais entre os dois países, em torno do tarifaço de 50% imposto pelo governo americano a importações brasileiras.
— Estou convencido de que em poucos dias teremos uma solução entre o Brasil e os EUA — disse Lula em coletiva de imprensa na capital da Malásia. — Estou muito otimista em relação à reunião. Não estou pedindo nada que não seja justo para o Brasil.
Lula afirmou ter explicado a Trump que também é equivocada a ideia de que a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro foi ilegal. Disse ter contado ao americano sobre a “gravidade” do que Bolsonaro e seu círculo político tentaram fazer no Brasil, incluindo um plano para matá-lo. Acrescentou que o ex-presidente foi condenado dentro do devido processo legal, com amplo direito de defesa, e deu detalhes dos crimes e provas apresentadas no julgamento.
— Rei morto, rei posto. Bolsonaro faz parte do passado da política brasileira. Eu ainda disse a ele que com três reuniões que você fizer comigo vai perceber que Bolsonaro era nada — afirmou o presidente brasileiro. — A nossa relação não tem nada a ver com a posição ideológica de cada um, mas com o fato de que ele foi eleito presidente dos EUA e eu do Brasil. Eu o respeito por isso e quero que ele me respeite por isso. É simples.
Lula disse que ficou acertado que temas políticos só serão discutidos entre os dois presidentes. Os negociadores vão se ater aos aspectos técnicos e econômicos que envolvem as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros que entram no mercado americano. Lula afirmou que nenhuma exigência foi feita por Trump, que também não colocou precondições nem promessas. Mas repetiu que não há tema proibido nas negociações e que o interesse é avançar em sua demanda de que os EUA retirem o tarifaço sobre o Brasil:
Eu sou uma metamorfose ambulante na mesa de negociação.
Cronograma de negociações
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, na companhia de outros dois auxiliares de Lula, teve uma reunião na manhã de hoje (horário da Malásia) com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, e Jamieson Greer, representante de Comércio da Casa Branca. O secretário de Estado Marco Rubio, que estava no encontro dos presidentes no domingo e era esperado, faltou sem explicação.
Vieira afirmou que eles concordaram em estabelecer um cronograma de reuniões para que um acordo comercial seja alcançado “em poucas semanas”. Depois de meses de incerteza desde a aplicação do tarifaço em julho, o clima era de alívio na comitiva do presidente Lula. Para o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Márcio Rosa, que também participou da reunião, as conversas avançaram “espetacularmente”.
Negociação ‘não é por zap’
Em sua conversa com os jornalistas, Lula celebrou o encontro com Trump, afirmando que ele foi baseado em “respeito”. — Para fazer negociações comerciais, é preciso química, para defender posições e ter conversas olho no olho.
Lula ainda mandou um recado a seus ministros, para que “saiam do zap” e façam viagens para produzir resultados em negociações e acordos.
Isso você não faz por “zap”, não faz por email. Faz pegando na mão das pessoas — disse. — Confesso a vocês que foi supreendentemente boa a reunião que eu tive com Trump. Vocês sabem que, se depender de mim e do Trump, vai ter acordo. Nós estamos dispostos a fazer com que Brasil e EUA mantenham essa relação de 200 anos.
Lula lembrou que completa 80 anos nesta segunda-feira, repetiu que pretende “viver até os 120” e relembrou sua trajetória de líder sindical antes de ingressar na política.
— Se tem uma coisa que eu aprendi a fazer é negociação. Sei a hora de ceder e de não ceder — afirmou, reiterando o empenho no diálogo com Trump.
— Gostemos ou não gostemos um do outro, temos que assumir nossas responsabilidades com a nação que nos elegeu.
O presidente também comentou sobre a admiração demonstrada por Trump por sua história, da luta sindical à prisão até a volta por cima, em um terceiro mandato para governar o Brasil.
Questionado por um repórter se também havia algo que admirava no presidente americano, Lula se disse “lisonjeado” pelo interesse de Trump, mas desconversou.
— São duas trajetórias totalmente diferentes. A minha trajetória é do chão de fábrica, de uma pessoa pobre, nordestina, que não morreu de fome até completar 5 anos por sorte, que conseguiu sobreviver e chegar à Presidência da República. A dele é de um homem bem-sucedido. Um empreendedor bem-sucedido, um homem rico, que tem uma trajetória política totalmente diferente da minha — comparou.
China e Venezuela
Lula afirmou que a negociação com os EUA não muda a relação diplomática e comercial entre o Brasil e a China. Ele afirmou que o Brasil rejeita a ideia de uma nova Guerra Fria e não quer conflito com outros países. Durante seu voo até a Malásia, Marco Rubio disse que no longo prazo seria “benéfico” para o Brasil ter os EUA e não a China como principal parceiro comercial.
— Se eu sou Lulinha Paz e Amor, o Brasil é Brasil Paz e Amor — brincou. — O Brasil não quer guerra, quer paz. Não quer confusão, quer negociação. Não quer demora, quer resultado.
Sobre a Venezuela, Lula disse que foi uma iniciativa dele se apresentar como um possível mediador no conflito dos EUA com o regime de Nicolás Maduro. Ele disse ter proposto a criação de uma mesa de negociação:
— Disse a ele que nós queremos manter a América do Sul como uma zona de paz.
