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Esquerda x direita: veja como está o mapa da América do Sul após a eleição presidencial na Bolívia

Com a vitória nas urnas bolivianas neste domingo (19), direita governará 5 dos 12 países sul-americanos. Especialistas explicam cenário de instabilidade e polarização na região.

A vitória de Rodrigo Paz na eleição presidencial da Bolívia ajudou a direita a manter um equilíbrio com os governos de esquerda na América do Sul. Apesar de os líderes alinhados ao progressismo ainda terem vantagem, o cenário pode mudar em breve.

Contexto: A esquerda ficou de fora do segundo turno das eleições bolivianas após quase duas décadas no poder. O novo presidente assumirá em novembro, em meio a uma crise econômica e à alta da inflação.

A esquerda boliviana sofreu um racha depois de uma disputa entre o ex-presidente Evo Morales e o atual mandatário, Luis Arce.

O candidato do Movimento ao Socialismo (MAS) — legenda que levou ambos ao poder —, apoiado por Arce, obteve apenas 3% dos votos no primeiro turno.

Os opositores Pereira e Quiroga, identificados com a direita, avançaram para o segundo turno, em um movimento inédito no país.

Com a vitória de Rodrigo Paz, a direita passará a governar cinco dos 12 países da América do Sul. Isso ajudará a manter o equilíbrio ideológico no continente, já o Uruguai pendeu para a esquerda com a vitória de Yamandú Orsi. Ele assumiu em março de 2025.

O Chile terá eleições em novembro. Pesquisas mostram que José Antonio Kast Rist, da direita, aparece como favorito no segundo turno. Se a vitória se concretizar, haverá um empate entre governos de esquerda e direita na América do Sul.

Historicamente, as forças políticas da região alternam períodos de domínio. Apesar da esquerda ter prevalecido no continente no início do século 21, com a chamada “onda rosa”, a direita recuperou espaço nos últimos anos.

Maurício Santoro, doutor em Ciência Política pelo Iuperj e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, explica que o continente viveu uma guinada conservadora após 2010, com o esgotamento do ciclo econômico iniciado com o “boom” global das commodities.

“O que a gente tem agora é um continente que está bem dividido ideologicamente. O que chama atenção é termos um cenário internacional marcado por dificuldade de diálogo e cooperação de governos latino-americanos de diferentes orientações ideológicas.”

Já Regiane Nitsch Bressan, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a América Latina vive momentos pendulares na política. Segundo ela, a alternância ideológica é algo natural nas democracias, mas se torna delicada quando ocorre em contextos de fragilidade institucional.

“Existe um problema estrutural na América Latina por conta da nossa história, da nossa economia e do fato de vivermos com desigualdade e pobreza. Isso leva à descrença nas instituições democráticas. Essa alternância tão pendular, ela facilmente se move para governos autoritários.”

Direita x Esquerda na América do Sul

Veja a evolução da esquerda e direita nos últimos 10 anos.

Na história recente da América do Sul, forças de esquerda e direita têm se alternado no poder. Muitos países viveram ditaduras na segunda metade do século 20, como o Brasil. Na década de 1990, o cenário se inclinava para governos de perfil conservador, com agendas neoliberais.

🔴 Segundo o professor Maurício Santoro, o revezamento entre correntes ideológicas era raro nessa época, já que partidos mais progressistas tinham dificuldades para vencer eleições. O quadro começou a mudar no início dos anos 2000, com a chamada “onda rosa”.

O termo se popularizou após ser usado pelo jornalista Larry Rohter, do jornal americano The New York Times, depois da vitória de Tabaré Vázquez nas eleições de 2004 no Uruguai.

Naquele momento, havia um sentimento de mudança no continente, impulsionado pelo desejo de reduzir a pobreza e a desigualdade.

Os novos governos de esquerda chegaram ao poder durante a alta global das commodities, estimulada principalmente pela demanda da China.

Com o aumento das receitas, algumas gestões conseguiram investir em programas sociais e políticas de redistribuição de renda.

“Os produtos de exportação da América Latina, agrícolas ou minerais, estavam muito valorizados no mercado internacional. Isso deu muito dinheiro na mão dos governos, e alguns presidentes conseguiram usar esse dinheiro de uma maneira muito boa”, afirma Santoro.

A professora Regiane Nitsch Bressan explica que, após a crise econômica mundial de 2008, as commodities começaram a perder valor, o que dificultou a permanência dos governos progressistas. Na década seguinte, o campo conservador voltou a ganhar espaço — movimento que também ocorreu em outras partes do mundo.

“A gente não pode deixar de observar que há uma grande força da direita, e isso não acontece só na nossa região. Esse movimento começa, eu diria, no Reino Unido, com o Brexit, que foi uma grande prova de que a esquerda estava perdendo espaço”, diz.

“Depois, esse avanço se espalha para a Europa, chega aos Estados Unidos e, em seguida, à América Latina, onde ainda encontra muito espaço.”

Em 2015, a América do Sul tinha oito governos alinhados à esquerda e quatro à direita.

Três anos depois, o cenário se inverteu, com avanço dos conservadores.

Essa tendência recuou a partir de 2020, após a pandemia.

Desde 2022, sete países são governados por líderes de esquerda e cinco pela direita.

Veja a evolução dos últimos 10 anos no gráfico abaixo.

Esquerda x Direita na América do Sul

Esquerda domina maioria dos países desde 2020, mas com pouca margem.

Mesmo com o avanço nas últimas décadas, a América do Sul ainda enfrenta desafios para consolidar as instituições democráticas. O índice de democracia do instituto sueco V-Dem mostra que a região passou por altos e baixos nos últimos 100 anos. Veja no gráfico mais abaixo.

😡 A professora Regiane Nitsch Bressan destaca que a instabilidade democrática na região tem raízes estruturais. Segundo ela, os problemas de desigualdade e pobreza são ameaças constantes por alimentarem a descrença nas instituições.

“O povo latino-americano, por estar cansado das instituições democráticas, é muito seduzido por governos populistas ou neopopulistas. Ou seja, aqueles governos que apresentam frases de efeito e dizem que vão resolver o problema a curto prazo”, afirma. O fenômeno do avanço da extrema direita se repete em outras partes do mundo.

Discursos nesse sentido aparecem em líderes tanto de direita quanto de esquerda.

Como exemplo, a professora cita Hugo Chávez, ex-presidente da Venezuela, e Javier Milei, atual mandatário da Argentina.

Ainda segundo ela, pesquisas recentes mostram que parte da população latino-americana prefere governos que ofereçam soluções econômicas rápidas, mesmo que sejam autoritários.

Bressan avalia que o problema não está na ideologia política, mas no risco de surgimento de regimes autoritários.

“Eu elejo um político de esquerda com esse discurso e ele não resolve o meu problema. Então vou lá e troco por um de direita. Essa alternância tão pendular facilmente se move para governos autoritários.”

Também se somam a esse cenário outros desafios, como o confronto crônico entre Executivo e Legislativo — comum em regimes presidencialistas — e o uso político da Justiça em disputas de poder, o que enfraquece o Estado de Direito e esvazia as instituições.

“O processo de redemocratização na América Latina ainda é muito jovem, e nós ainda não demos conta de fortalecer e consolidar as nossas instituições democráticas”, afirma.

O cientista político Maurício Santoro complementa dizendo que, atualmente, um dos principais fatores de preocupação é a polarizaçãoá,. Segundo ele, lideranças de diferentes espectros ideológicos têm se tornado mais extremas em suas propostas e perdido a capacidade de diálogo. O Uruguai é exceção –lá, direita e esquerda se revezam no poder sem presença da extrema direita.

“A polarização regional está inviabilizando iniciativas de integração e respostas unificadas a desafios políticos e de segurança, como o avanço do crime organizado e até mesmo a longa crise venezuelana.”

🌎 Santoro avalia ainda que a instabilidade política dos últimos anos na América do Sul faz parte de uma crise global mais ampla, que também afeta países da Europa, além dos Estados Unidos.

O caso da Bolívia

A Bolívia está encerrando um ciclo de quase 20 anos de governos de esquerda e passará a ser governada pela direita a partir de novembro. A mudança marca o fim da hegemonia do Movimento ao Socialismo (MAS), com os governos de Evo Morales e Luis Arce.

Especialistas apontam alguns fatores para essa virada. Confira a seguir:

Desgaste: Após quase duas décadas no poder, a esquerda perdeu apoio e acumulou críticas por tentativas de se manter no cargo.

Crise econômica: Inflação alta, escassez de dólares e queda nas receitas agravaram a perda de confiança da população nos governos de esquerda.

Ruptura entre Morales e Arce: A divisão interna enfraqueceu o MAS e dispersou votos.

Influência regional: A renovação da força da direita na América do Sul, com novos líderes liberais, pode ter influenciado o eleitorado boliviano.

Discurso liberal: O desencanto com a esquerda abriu espaço para propostas que prometem redução de impostos e diminuição do tamanho do Estado.

Maurício Santoro avalia que a Bolívia é um exemplo de como a escassez de recursos após o fim do “boom das commodities” se transformou em um problema. Segundo ele, Evo Morales começou com uma política econômica sólida, mas foi se tornando um presidente mais autoritário.

“Morales passou a atuar à revelia da Constituição para se manter no poder. A situação econômica do país também foi piorando até chegar à crise atual, em que as reservas internacionais praticamente acabaram”, afirma.

“O próximo presidente boliviano vai herdar uma situação difícil. Provavelmente terá de pedir socorro internacional e implementar um programa de austeridade muito duro para equilibrar as contas.”

Regiane Nitsch Bressan acrescenta que a Bolívia ainda é um país com muita pobreza e dependente de commodities. Segundo ela, o desgaste da esquerda se deve à incapacidade de resolver a crise econômica e à perda de popularidade de Arce.

“A esquerda dividida e desgastada abriu caminho para que candidatos de direita e centro-direita encontrassem apoio, também em um momento em que a onda à direita ganha força. Diferente dos anos 1990 e 2000, agora temos uma direita bem mais polarizada.”

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