O Povo News

Em crise, Correios têm pior índice no ano de entregas no prazo às vésperas do Natal

Greve de funcionários agrava o quadro, e menos de 70% das encomendas chegam ao destino no prazo

Às vésperas do Natal, os atrasos nas entregas de encomendas pelos Correios têm aumentado, diante da crise financeira da estatal, agravada pela paralisação de funcionários em locais importantes, como Rio, São Paulo e Belo Horizonte. O índice de entregas no prazo já vinha em queda ao longo do ano, sobretudo devido às dívidas com fornecedores, mas a situação piorou com a greve, provocando uma corrida pelos serviços de transportadoras privadas e deixando consumidores na mão.

O índice de entregas no prazo do Correios está abaixo de 70%, na média nacional, segundo fontes que pediram anonimato — varia de 50% a 70% a depender da região. Isso significa que pelo menos 30% dos envios estão atrasados este mês, nos piores níveis do ano.

Em janeiro, a média nacional estava em 97,7%. Em dezembro, caiu para 76,63%, com base nos dados até o dia 6. Na leitura diária, o percentual foi de 68,15% naquele dia, ou seja, 32% das encomendas estavam atrasadas. Todos os registros estão abaixo da meta estipulada pela própria empresa, de 96%.

Os números são um retrato da crise, que já afeta os usuários (leia mais abaixo). A jovem aprendiz Eduarda Kocholi, de 20 anos, que mora em Curitiba (PR), está sofrendo com entregas em três compras recentes que fez no exterior. Os presentes de Natal da mãe, do irmão e do namorado vão atrasar, por causa de “desvios de rota”.

— Sempre comprei muito pela internet, principalmente de sites que vendem importados, e dava para contar nos dedos quando acontecia de desviar da rota. Nunca vi acontecer com 100% das compras — disse Eduarda, calculando prejuízo de R$ 150.

Anúncio adiado

A cúpula dos Correios acredita que a qualidade do serviço só vai melhorar após o pagamento de dívidas atrasadas, sobretudo com fornecedores, mas isso depende da entrada de recursos no caixa da empresa, que está negativo. Para reforçá-lo, a expectativa fechar o empréstimo de R$ 12 bilhões com um grupo de bancos (Bradesco, Itaú, Santander, Banco do Brasil e Caixa) ainda este ano, a tempo de receber uma parcela de R$ 10 bilhões até 31 de dezembro. A operação recebeu aval da União na semana passada, mas os envolvidos ainda estão discutindo cláusulas do contrato.

Os recursos serão utilizados para pagar colocar de pé o plano de reestruturação. As principais medidas seriam divulgadas ontem, mas o evento foi adiado. Segundo interlocutores, a empresa preferiu esperar o empréstimo. A ideia é desligar 15 mil funcionários com um plano de demissão voluntária (PDV) e fechar 1 mil agências. Do lado da receita, estão previstas parcerias com o setor privado para ampliar o leque de serviços prestados.

O quadro de crise piorou com a greve deflagrada por sindicatos regionais de funcionários, por discordâncias em relação ao acordo coletivo de trabalho (ACT) proposto pela empresa. Hoje, estão previstas novas assembleias de funcionários para avaliar a mais recente proposta da negociação trabalhista, mediada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) — uma das controvérsias, como mostrou O GLOBO, é que a estatal se nega a pagar uma gratificação de Natal de R$ 2,5 mil.

Diante da crise, empresas de logística relatam uma corrida de varejistas que trabalham com o comércio eletrônico, para tentar fazer chegar a tempo os presentes para o Natal. A procura é, principalmente, de pequenos negócios, mais dependentes dos serviços dos Correios do que as grandes lojas online e marketplaces, como Magalu, Mercado Livre e Amazon, que têm operações próprias.

Na última semana, a transportadora Jadlog viu o número de novos contratos subir 25%, já descontada a sazonalidade. Segundo a transportadora Loggi, o envio de pacotes por pequenas e médias empresas disparou 54% este mês.

— Estamos conquistando clientes de regiões que antes eram dos Correios — disse o CEO da Jadlog, Bruno Tortorello. — Os clientes chegam dizendo “preciso entregar isso hoje”. É uma operação de guerra.

Gilberto Almeida dos Santos, presidente do Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Ciclistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (Sindimoto-SP), que representa os motoboys da capital paulista, disse que empresas de logística estão pedindo indicações de “novos parceiros”, uma sinalização de que estão reforçando os quadros.

50% do mercado

Segundo o professor de Gestão de Negócios da FGV e diretor da consultoria Canal Vertical, Roberto Kanter, o Natal é o período mais sensível do ano para a logística: o volume de entregas aumenta, os prazos encurtam e a tolerância do consumidor a atrasos se reduz. Isso deverá também atingir a imagem dos Correios.

Como resultado, a estatal vem perdendo espaço. Estimativas de mercado dão conta que a participação da estatal no segmento de entregas estaria entre 40% e 50%.

— Cada episódio como esse acelera a migração para soluções privadas — disse Kanter.

Maurício Lima, sócio fundador da consultoria em logística Ilos, avalia que a participação dos Correios no mercado tende a variar conforme a praça. No interior, onde a prestação desses serviços é menos rentável, ou até deficitária, a atuação da estatal tenderá a ser maior, mantida como um serviço público estratégico.

— Onde há menor escala, os Correios têm maior participação. Nos grandes centros, são as empresas privadas de logística que dominam — afirmou Lima.

O advogado Afif Acras (na foto, à direita), de 35 anos, e o namorado, o stylist Murilo Mahler, de 34, estão há seis dias aguardando a entrega de produtos perecíveis que deveriam ser entregues em apenas dois dias pelo Sedex, dos Correios. Este será o primeiro Natal que Mahler passará com a família de Acras. O casal, que vive em São Paulo, pediu produtos da confeitaria da prima de Mahler, que fica em Toledo (PR), para presentear a todos.

— São doces, confeitos, bolos, compotas, com que iríamos presentear os amigos, familiares e clientes — diz Afif. — Murilo ficou todo feliz e orgulhoso em pedir as coisas, como um agradecimento para a minha família pelo acolhimento nesta data. E aí, cai tudo por terra.

Os produtos foram postados no último dia 16 e deveriam chegar no dia 18. Desde então, o status da entrega permanece “em trânsito”. Segundo Acras, o casal gastou R$ 2 mil nos produtos e mais R$ 600 com o frete.

Sérgio Fragoso, escritor de romances policiais de Mato Grosso, conta que está tendo problemas com os Correios, no envio dos livros vendidos por uma plataforma de comércio eletrônico. A plataforma vende, mas Fragoso cuida do envio.

— Sou o responsável por enviar os livros autografados que vendi por lá. Uso os Correios e o prazo, em geral, é de nove dias, mas tem livro demorando até um mês para ser entregue — conta o escritor.

Um livro enviado em 18 de novembro ainda não foi entregue. Alguns leitores já pediram devolução do dinheiro. Nesses casos, Fragoso diz que fica com o prejuízo, porque, além de ter que reembolsar o valor, ainda existe a possibilidade de os livros serem entregues com atraso.

— Se os livros forem recusados e devolvidos, eles não terão mais valor, porque são exemplares autografados com dedicatória — afirma o escritor.

A crise dos Correios atinge pequenos negócios que se adaptaram ao comércio eletrônico. A empresária Luiza Campanelli, dona de uma loja de moda esportiva, relata atrasos que poderão levar tanto a perdas de vendas quanto a prejuízos à imagem da marca.

— Estou em uma situação terrível, porque meus clientes não estão recebendo os produtos tem mais de dez dias — conta Luiza. — Quem nos alertou foram os próprios clientes, que passaram a perceber que suas encomendas estavam paradas em Cajamar, em São Paulo, por dias seguido

A empresária usa o serviço log+, dos Correios, responsável por armazenar os produtos e fazer a distribuição direta das compras feitas no site da empresa dela. Com isso, além dos atrasos, os produtos ficam presos no centro de distribuição da estatal. Após tentar contato com o pós-venda dos Correios, devido à multiplicação das queixas dos clientes, Luiza afirma que o suporte parou de funcionar.

 

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