Ministro restringe à PGR propor impeachment de ministro, e Congresso reage com projeto contra STF
Uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), desencadeou nessa quarta-feira mais um conflito entre Poderes, desta vez do Legislativo e Judiciário. Em manifestação individual, o magistrado limitou a Lei do Impeachment, de 1950, dificultando o afastamento de integrantes da Corte. Horas depois, em plenário, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), chefe da Casa responsável por analisar pedidos de destituição de membros do STF, considerou o caso uma “grave ofensa à separação dos Poderes” e prometeu reagir com alterações na legislação.
Gilmar estabeleceu que somente a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode denunciar ministros da Corte ao Senado por crimes de responsabilidade, e que é necessário o apoio de dois terços da Casa para abrir o processo e para aprová-lo. A decisão do ministro é provisória e será analisada pelos demais ministros a partir do dia 12 de dezembro, no plenário virtual.
A determinação ocorre no momento em que aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro se organizam para conquistar maioria no Senado em 2026 para retaliar integrantes do Judiciário. O ministro Alexandre de Moraes, relator do processo da tentativa de golpe de Estado, por exemplo, é alvo de pedido de impeachment de integrantes da oposição.
‘Tentativa de usurpação’
A reação veio no Senado com duro recado de Alcolumbre, que também reforçou a necessidade de se “alterar o regime das chamadas decisões monocráticas” de ministros do STF. O argumento usado é que o Judiciário usurpou a prerrogativa do Congresso de legislar.
— Uma decisão que tenta usurpar as prerrogativas do Poder Legislativo. Manifesto que esta presidência recebe com muita preocupação o conteúdo da decisão monocrática da lavra do ministro Gilmar Mendes — afirmou o presidente do Senado.
Alcolumbre declarou que tramita no Senado um projeto que prevê um novo marco legal de crimes de responsabilidade, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e uma proposta que altera a Constituição para proibir decisões individuais de ministros do STF:
— O Parlamento está atento e tomando as providências para que o aprimoramento legislativo aconteça, sabedor de que o exercício do seu direito de decidir ou de não decidir está amparado na vontade do povo que elege seus membros, exatamente como deve ser numa democracia.
Atualmente, a lei analisada por Gilmar prevê que “qualquer cidadão” pode pedir a abertura de processo de impeachment contra integrantes do STF e que é preciso maioria simples (metade mais um dos presentes) tanto para receber o pedido quanto para considerá-lo procedente.
Gilmar avaliou que essas regras não são compatíveis com a Constituição de 1988. Ele atendeu parcialmente pedidos do partido Solidariedade e da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB). O ministro ainda decidiu que o mérito de decisões judiciais não pode ser utilizado como justificativa para pedidos de impeachment e que os magistrados não devem ficar afastados de suas funções enquanto o pedido é julgado.
Somente este ano foram protocolados 33 pedidos de impeachment no Senado, conforme o blog da coluna de Malu Gaspar, do GLOBO. Desses, 20 têm como alvo Moraes e cinco o próprio Gilmar. A maior parte deles (23 dos 30) foi protocolada por cidadãos comuns, e nenhum pela PGR. Ao todo, o Senado acumula mais de 80 pedidos.
Para Gilmar, o impeachment é uma “ferramenta constitucional de natureza extraordinária, cuja utilização exige base sólida e estrita observância ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa”. Por isso, não poderia ser utilizado como “mecanismo de supressão indevida da independência dos demais Poderes”.
Segundo o ministro, vários trechos da lei não foram abarcados pela Constituição de 1988, como o quórum necessário para a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF, a legitimidade para apresentação de denúncias e a possibilidade de se interpretar o mérito de decisões judiciais como conduta típica de crime de responsabilidade.
O episódio ocorre um dia depois de a crise entre o Palácio do Planalto e Alcolumbre escalar. Na terça-feira, o presidente do Senado cancelou a sabatina do advogado-geral da União, Jorge Messias, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para vaga aberta no STF, que estava marcada para o próximo dia 10. Ao reclamar da falta de envio da mensagem presidencial com o nome do postulante, Alcolumbre acusou o governo de “interferência” no cronograma do Senado. Com a manobra, o governo busca ganhar tempo para conquistar os 41 votos necessários para a aprovação do nome do advogado-geral da União ao STF.
Nessa quarta, Messias pediu, em manifestação encaminhada pela Advocacia-Geral da União (AGU) a Gilmar, que a decisão seja reconsiderada. A solicitação é um gesto político ao Senado, que demonstra resistência à sua indicação à vaga aberta no STF com a aposentadoria do ministro Luís Roberto Barroso.
No documento, a AGU sustenta que a legitimidade popular para oferecimento de denúncias não representa ameaça à independência do Poder Judiciário. “O controle do exercício do poder pelos cidadãos decorre da soberania popular inscrita no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, ao estatuir que: todo o poder emana do povo”, diz trecho da manifestação.
Messias argumenta ainda que a decisão de Gilmar ofende a separação de Poderes, como considerou Alcolumbre. Segundo o advogado-geral da União, o acolhimento da decisão de Gilmar pelo plenário implicaria atuação do STF “como uma espécie de legislador substitutivo”.
A peça assinada por Messias defende que ajustes redacionais na Lei do Impeachment poderiam levar em consideração itens levantados no projeto de Rodrigo Pacheco relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA). Messias tenta se aproximar de Pacheco, aliado de Alcolumbre, e tem Weverton também como relator da sua indicação ao STF.
Câmara avança
Na quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou a redação final de uma proposta que impõe novas regras às decisões individuais no Supremo e reorganiza o funcionamento das ações de controle da Corte.
O projeto, relatado por Alex Manente (Cidadania-SP), retorna ao Senado após um vaivém iniciado em setembro. O projeto aprovado unifica e atualiza o rito das principais ações usadas para contestar leis e atos do poder público no Supremo, e restringe ações de partidos pequenos.
Pela proposta, decisões urgentes tomadas individualmente por um ministro nessas ações terão de ser justificadas e submetidas obrigatoriamente ao colegiado na sessão seguinte.

