Valores ainda estão bem abaixo da meta para 2035; em 2022, por exemplo, foram US$ 115,9 bilhões, dos quais apenas 14% chegaram aos países menos desenvolvidos
Após o impasse financeiro da COP29, em Baku (Azerbaijão), que buscava definir a Nova Meta Coletiva de Financiamento Climático (NCQG), a COP30, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, prevista para novembro em Belém (PA), ganhou a missão de avançar na implementação da agenda.
Em Baku, os países se comprometeram a mobilizar US$ 300 bilhões anuais até 2035 para nações em desenvolvimento e atribuíram às presidências da COP29 e COP30 a elaboração do Mapa do Caminho de Baku a Belém, concebido para indicar como alcançar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035.
Mas a distância entre objetivo e realidade é expressiva: segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), os fluxos de financiamento climático somaram US$ 115,9 bilhões em 2022, dos quais apenas US$ 21,9 bilhões tiveram origem no setor privado. Só 14% chegaram aos países menos desenvolvidos, expondo a desigualdade na distribuição.
Sem possibilidade de reabrir o acordo na COP30, Brasil e Azerbaijão ficaram encarregados de detalhar o roteiro. O documento, sem caráter vinculante, pode ser mais ambicioso por não depender do consenso dos mais de 190 países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Sua construção envolve consultas e insumos do Círculo de Ministros de Finanças, coordenado por Fernando Haddad e integrado por 36 países e instituições como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e OCDE, além de contribuições da sociedade civil, setor privado e organismos internacionais.
A meta é entregar em Belém um plano até 2035 com indicadores e calendário de implementação. O mapa será concluído antes da COP30, e a segunda chamada da UNFCCC receberá propostas até setembro, após uma primeira rodada que reuniu 116 contribuições de governos, organismos internacionais, setor privado e sociedade civil.
Entre as prioridades estão o redirecionamento dos cerca de US$ 1 trilhão anuais hoje destinados a subsídios aos combustíveis fósseis, a criação de novas taxações globais sobre setores poluentes, como o transporte marítimo internacional, e sobre ultrarricos proprietários de jatos particulares.
Outra medida é a reforma de bancos multilaterais e nacionais de desenvolvimento para ampliar a alavancagem de recursos e fortalecer o financiamento para adaptação. São medidas politicamente desafiadoras, mas consideradas cruciais para corrigir distorções e destravar capital em escala.
Essas três frentes, se bem estruturadas, podem gerar recursos em escala e corrigir distorções do sistema atual — afirma Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.
Para ela, o impacto do documento dependerá de sua legitimidade política.
— Se for consistente, pode ter efeito comparável ao do Relatório Stern, de 2007, que mudou o enquadramento econômico da crise climática — comenta.
O redesenho das finanças climáticas passa por ações em andamento. É o caso do Eco Invest, programa do Tesouro Nacional que mitiga riscos cambiais e mobiliza capital privado para a transição ecológica.
— O Eco Invest mostra que é possível reduzir riscos e atrair capital privado para áreas como energia limpa e infraestrutura sustentável — afirma Carolina Grottera, diretora de programa do Ministério da Fazenda.
No primeiro leilão, em 2024, cada real do Tesouro mobilizou R$ 6,80 em capital privado. A experiência chamou a atenção do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que pretende replicá-la em outros países da América Latina.
Fatia de empréstimos
O endividamento é um dos principais entraves ao financiamento climático, observa Maiara Folly, diretora da Plataforma Cipó. Ela lembra que a decisão em Baku frustrou expectativas ao fixar apenas US$ 300 bilhões até 2035 e repetir falhas da meta anterior, quando 70% dos US$ 100 bilhões prometidos vieram como empréstimos. Para atender só o Sul Global seriam necessários US$ 6 trilhões até 2030, o que exige reformular regras de financiamento e priorizar setores vulneráveis, sobretudo adaptação.
— Não priorizar a adaptação nos fluxos de investimento é uma forma de negacionismo climático, e esse plano só terá legitimidade se refletir as prioridades do Sul Global — diz.
Parte desse redesenho depende da mobilização do capital privado. Em países vulneráveis, o setor público predomina, enquanto mercados maduros têm maior participação privada. Para Tatiana Sasson, sócia da Lightrock, 65% dos investidores possuem aportes climáticos, mesmo sem mandatos específicos, mas menos de 20% do volume global chega a países em desenvolvimento. Em 2024, os investimentos cresceram 10% sobre o ano anterior, apesar do cenário geopolítico adverso. Ela enxerga amadurecimento do setor, mas ainda falta escala, riscos compatíveis e previsibilidade regulatória.
— O capital público é crucial como indutor. Em 2020, a geração hídrica no Brasil era quase 90% da matriz, e em 2023 caiu para menos de 60%, com forte entrada de eólica e solar. O BNDES mitigou riscos nos primeiros projetos, abrindo espaço para o setor privado depois assumir com capital próprio.